segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

ALMA SIMPLES

                                              JOHN MERRIT-FRANÇA-
MANOEL DE BARROS
 
Por forma que o dia era parado de poste.
Os homens passavam as horas sentados na
porta da Venda
de Seo Mané Quinhentos Réis
que tinha esse nome porque todas as coisas
que vendia
custavam o seu preço e mais quinhentos réis.
Seria qualquer coisa como a Caixa Dois dos
prefeitos.
O mato era atrás da Venda e servia também
para a gente desocupar.
Os cachorros não precisavam do mato para
desocupar
Nem as emas solteiras que despejavam correndo.
No arruado havia nove ranchos.
Araras cruzavam por cima dos ranchos
conversando em ararês.
Ninguém de nós sabia conversar em ararês.
Os maridos que não ficavam de prosa na porta
da Venda
Iam plantar mandioca
Ou fazer filhos nas patroas.
A vida era bem largada.
Todo mundo se ocupava da tarefa de ver o dia
atravessar.
Pois afinal as coisas não eram iguais às cousas?
Por tudo isso, na Corruptela parecia nada
acontecer.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

TRILHA DA ALMA


TRILHA DA ALMA
ELIANA MIRANZI

CAMINHO BEM CEDO, NA MANHÃ CINZA,
QUE AINDA NÃO SE DECIDIU ENTRE SOL E CHUVA.
UM VENTO INSONSO, SEM MUITA OPINIÃO PRÓPRIA,
VISITA MEU ROSTO, BRINCA COM MEUS CABELOS,
DERRUBA FOLHAS E LEVANTA POEIRA.
A MARCHA É FIRME, EMBALADA PELO CANTO BRANDO
DO RIACHINHO QUE SEI QUE EXISTE ALÍ BEM PERTO,
E NO ENTANTO NUNCA O VÍ.
PASSARINHOS QUE NÃO MUDAM DE ASSUNTO,
REPETEM SEU RECADO MELÓDICO E ÚNICO.
OUTROS ENTRAM NO MEIO DA PROSA,
 COM HARMONIAS ESTRANGEIRAS E INESPERADAS.
O MUNDO DAS AVES....MUITO A NOS ENSINAR.
A CADA CAMINHO A SUA LIÇÃO, A CADA TRILHA, A SUA FUNÇÃO.
HOJE, CAMINHEI PARA NÃO PERDER A ALMA.
ONTEM, PODE TER SIDO POR TÊ-L ENCONTRADO.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

A ALMA DO TEMPO


MANOEL DE BARROS
 
A de muito que na Corruptela onde a gente
vivia Não passava ninguém
Nem mascate muleiro
Nem anta batizada
Nem cachorro de bugre.
O dia demorava de uma lesma.
Até uma lacraia ondeante atravessava o dia
por primeiro do que o sol.
E essa lacraia ainda fazia uma estação de
recreio no circo das crianças
a fim de pular corda.
Lembrava a tartaruga de Creonte
que quando chegava na outra margem do rio
as águas já tinham até criado cabelo.
Por isso a gente pensava sempre que o dia
de hoje ainda era ontem.
A gente se acostumou de enxergar antigamentes.