quinta-feira, 29 de março de 2012

SABEDORIA POÉTICA



O SÁBIO

" Aquele que conhece os outros é sábio.
Aquele que conhece a si mesmo é... iluminado.
Aquele que vence os outros é forte.
Aquele que vence a si mesmo é poderoso.
Aquele que conhece a alegria é rico.
Aquele que conserva o seu caminho tem vontade.
Seja humilde, e permanecerás íntegro.
Curva-te, e permanecerás ereto.
Esvazia-te, e permanecerás repleto.
Gasta-te, e permanecerás novo."
O sábio não se exibe, e por isso brilha.
O sábio não se faz notar, e por isso é notado.
O sábio não se elogia, e por isso tem mérito.
E, porque não está competindo,
ninguém no mundo pode competir com ele."
- Lao Tse

terça-feira, 27 de março de 2012

POESIA E NATUREZA




Fernando Pessoa
( Alberto Caeiro )


Se às vezes digo que as flores sorriem
E se eu disser que os rios cantam,
Não é porque eu julgue que há sorrisos nas flores
E cantos no correr dos rios...
É porque assim faço mais sentir aos homens falsos
A existência verdadeiramente real das flores e dos rios.
Porque escrevo para eles me lerem sacrifico-me às vezes
À sua estupidez de sentidos...
Não concordo comigo mas absolvo-me,
Porque só sou essa cousa séria, um intérprete da Natureza,
Porque há homens que não percebem a sua linguagem,
Por ela não ser linguagem nenhuma.

sexta-feira, 23 de março de 2012

NOITE E DIA E POESIA



MEU PALPITE: PROCURE A MÚSICA E CANTE JUNTO...

Canto de um Povo de um Lugar
Caetano Veloso


Todo dia o sol levanta
E a gente canta
Ao sol de todo dia
Fim da tarde a terra cora
E a gente chora
Porque finda a tarde
Quando a noite a lua mansa
E a gente dança
Venerando a noite
Madrugada, céu de estrelas
E a gente dorme
sonhando com elas.

quarta-feira, 21 de março de 2012

DUAS VISÕES DE UMA ILHA




Carlos Drummond de Andrade
A ILHA


Quando me acontecer alguma pecúnia, passante de um milhão de cruzeiros, compro uma ilha; não muito longe do litoral, que o litoral faz falta; nem tão perto, também, que de lá possa eu aspirar a fumaça e a graxa do porto. Minha ilha (e só de a imaginar já me considero seu habitante) ficará no justo ponto de latitude e longitude, que, pondo-me a coberto de ventos, sereias e pestes, nem me afaste demasiado dos homens nem me obrigue a praticá-los diuturnamente. Porque esta é a ciência e, direi, a arte do bem-viver; uma fuga relativa, e uma não muito estouvada confraternização.
De há muito sonho esta ilha, se é que não a sonhei sempre. Se é que a não sonhamos sempre, inclusive os mais agudos participantes. Objetais-me: “Como podemos amar as ilhas, se buscamos o centro mesmo da ação?”
Engajados, vosso engajamento é a vossa ilha, dissimulada e transportável. Por onde fordes, ela irá convosco. Significa a evasão daquilo para que toda alma necessariamente tende, ou seja, a gratuidade dos gestos naturais, o cultivo das formas espontâneas, o gosto de ser um com os bichos, as espécies vegetais, os fenômenos atmosféricos. Substitui, sem anular.

Ilha deserta
ZÉ RODRIX


A gente precisa de pouca coisa
Pra viver feliz e sossegado
Um barco à vela, um fogão de lenha
E uma cama limpa pra deitar quando se está cansado
Todo mundo nesse mundo
Preferia estar despreocupado
Falando pouco e pensando muito
Com uma pessoinha legal deitada do seu lado
Numa ilha deserta
Onde o vento só ventasse de vez em quando
Numa ilha, numa ilha deserta
Simplesmente vivendo, e sonhando
Mas se ilhas do mundo já tem dono
E você não entende bem porque
Separe tudo que lhe faz falta
E guarde bem guardado numa ilha dentro de você!

(AGRADEÇO AO BLOG: POLLIANA VELHA)

terça-feira, 20 de março de 2012

HISTÓRIA E POESIA


TIRADENTES-MG.


TIRADENTES-MG.


CARLOS BRACHER

CARLOS BRACHER

AO LER ISSO CRESCEU EM ALGUM CANTO DO MEU CORAÇÃO,
UMA GRANDE SAUDADE DE NOSSAS CIDADES HISTÓRICAS...

CANTO DE SOMBRA
Carlos Drummond de Andrade


O canto de sombra e umidade no quintal.
Do muro de pedra escorre o fio d'água,
manso,no verde limoso, eternamente.
Uma gota e outra gota, no silêncio
onde só as formigas trabalham
e dorme um gato e dorme o futuro das coisas
que doerão em mim, desprevenido.
Crescem rasteiras, plantas sem pretensão
de utilidade ou beleza.
Tudo simples. Anônimo.
O sol é um ouro breve. A paz existe
na lata abandonada de conserva
e no mundo.

(in Boitempo III, ed. José Olympio.)

domingo, 18 de março de 2012

LIBERDADE, AINDA QUE CATIVA



(crônica no Estado de Minas/Correio Braziliense-18.03.2012)
A ARARA APAIXONADA
Affonso Romano de Sant’Anna
...

(COLABORAÇÃO DE HELÔ DE BELLO BARROS)

Procura-me uma jornalista para saber de minhas reações diante da seguinte estória real: uma arara Canindé, todos os dias, sai da Floresta da Tijuca, lugar onde vive, e há uns 15 anos, vôa uns cinco quilômetros, para visitar outras ararinhas que estão presas nas gaiolas do zoológico. Ela chega lá, pousa, fica um tempão conversando com suas iguais (com uma de preferência) e depois volta para sua morada lá na floresta.
Há a suspeita de que ela esteja apaixonada; que atrás das grades existe alguém que roubou o coraçãozinho da pequena ave. Surgem especulações. É macho ou fêmea? E certas aves o sexo é tão velado, que só o exame de sangue pode revelar. Já foram pedir ao veterinário que solte logo todas as ararinhas. Ele explica que não pode fazer isto, pois embora pareça carcereiro, é o guardião delas, é apenas um funcionário dessa cadeia de aves. Cadeia,vejam, até no duplo sentido: não só da gaiola onde estão, mas por estar zelando pela “cadeia”genética, pela sobrevivência da espécie, posto que a ararinha é uma ave em extinção.
No Google, como sempre, encontro filmes sob ararinhas de todas as espécies e até cenas comoventes de como elas saem do ovo. É só ver, e chorar. Em mim, isto suscitou várias coisas. Primeiro me lembrei de um livro que narrava como as mais diferentes espécies animais fazem amor. Hoje a gente pode ver isto nesses canais de TV tipo “Animal Planet”. É ver, e se emocionar diante do mistério da reprodução, da vida caçando a vida, a vida casando com a vida.

Vocês se lembram que naquele filme com o Richard Geer, o cão continuava indo todos os dias à estação esperar por seu dono, apesar de o dono ja ter morrido? Me contaram de um cemitério onde há muitos cães vagando. Eles mudaram para o cemitério para ficar com os donos que morreram. Bom, da fidelidade canina, já sabíamos.
Mas outro, na TV dia vi uma coisa ao contrário: um indivíduo que foi viver com os lobos: aprendeu o código deles e com eles disputa a carne da caça. Além dessas tem ainda várias estórias e filmes, como da menina e do pai que ensinaram os gansos a voar e os guiaram em ultraleve para um lugar de migração. Outro dia, lá em São Pedro de Atacana, no Chile, vi os flamingos chegando, se acasalando e indo embora.
E as ararinhas?
A jornalista me pergunta, o que um poeta acha dessa estória. Ponho-me a pensar nessa coisa humana e animal que é a liberdade e a prisão amorosa. O que essa ararinha está nos sugerindo? Então, anoto:

Liberta-me
de minha liberdade
diz a arara Canindé
ao seu amado
preso
na gaiola do zoológico.

Aprisiona-me contigo
pois enclausurada
ao teu lado
enfim
-serei livre.

sábado, 17 de março de 2012

ADOLESCÊNCIA E POESIA


FRAGONARD-FRANÇA-ROCOCÓ-

QUANDO EU ERA ADOLESCENTE, NOS ANOS 60,
ESTE POEMA FEZ MUITO SUCESSO.
HOJE EU ME PERGUNTO PORQUE......
O AUTOR É DE PORTUGAL.



A Orgulhosa
TRASÍBULO FERRAZ


Num Baile

Ainda há pouco pedi-te,
Pedi-te para valsar...
Disseste - és pobre, és plebeu;
Não me quiseste aceitar!
No entretanto ignoras
Que aquele a quem tanto adoras,
Que te conquista e seduz,
Embora seja da "nata",
É plena figura chata,
É fósforo que não dá luz!
Deixa-te disso, criança,
Deixa de orgulho, sossega,
Olha que o mundo é um oceano
Por onde o acaso navega.
Hoje, ostentas nas salas
As tuas pomposas galas,
Os teus brasões de rainha;
Amanhã, talvez, quem sabe?
Esse teu orgulho se acabe,
Seja-te a sorte mesquinha.
Deixa-te disso, olha bem!
A sorte dá, nega e tira;
Sangue azul, avós fidalgos,
Já neste século é mentira.
Todos nós somos iguais;
Os grandes, os imortais;
Foram plebeus como eu sou.
Ouve mais esta lição:
Grande foi Napoleão,
Grande foi Victor Hugo.
Que serve nobre família,
Linhagem pura de avós?
Se o sangue dos reis é o mesmo,
O mesmo que corre em nós!
O que é belo e sempre novo
É ver-se um filho do povo
Saber lutar e subir,
De braços dados com a glória,
Pra o Pantheon da História,
Pra conquista do porvir.
De nada vale o que tens
Que não me podes comprar;
Ainda que possuísses
Todas as pérolas do mar!
És fidalga? - Sou poeta!
Tens dinheiro? - Eu a completa
Riqueza no coração;
Não troco uma estrofe minha
Por um colar de rainha
Nem por troféus de latão.
Agora sim, já é tempo
De te dizer quem sou eu,
Um moço de vinte anos
Que se orgulha em ser plebeu,
Um lutador que não cansa,
Que ainda tem esperança
De ser mais do que hoje é,
Lutando pelo direito,
Pra esmagar o preconceito
Da fidalguia sem fé!
Por isso quando me falas,
Com esse desdém e altivez,
Rio-me tanto de ti,
Chego a chorar muita vez.
Chorar sim, porque calculo,
Nada pode haver mais nulo,
Mais degradante e sem sal
Do que uma mulher presumida,
Tola, vaidosa, atrevida.
Soberba, inculta e banal.

terça-feira, 13 de março de 2012

JAMES HILLMAN

LEIAM, É UM POUQUINHO LONGA, MAS VALE A PENA...

LES ESCLAVES-

UMA ESCUTA ATENTA DA DEPRESSÃO

Uma tarde com James Hillman
por John Söderlund


Esta entrevista foi traduzida mediante autorização de seu autor. O original em inglês pode ser acessado em newtherapist.com/hillman8.html.



“Não, 90 por cento do tempo eu não permito que as pessoas me fotografem,” responde James Hillman bruscamente.

“Será que isto poderia ser parte dos 10 por cento,” eu me arrisco, dando um sorriso na direção do homem de aparência comum sentado na ponta de sua cadeira atrás da mesa, posicionada no centro do palco.

“Não, definitivamente não,” ele responde, bufando e desviando o olhar antes que o meu sorriso pudesse intervir para suavizar a pancada.
Eu me viro rapidamente, constrangido e furioso pela sensação de ter tomado um fora brutal, e sumo no meio dos dois mil ou mais membros da platéia que esperavam ansiosamente pelo discurso de Hillman.
Este é o piece de resistance no menu junguiano da Conferência Evolution of Psychotherapy de 2000, uma reunião de gurus da psicoterapia e alguns milhares de clientes bajuladores que vão beber até a última gota das palavras de seus “mestres”.

“Quem ele pensa que é,” eu resmungo para mim mesmo silenciosamente enquanto me sento no fundo do auditório e espero sua fala.

“A psicologia junguiana diz respeito, acima de tudo, à atitude,” ele começa. “Logo, o trabalho todo está em compreender esta atitude em direção à psique, ou à alma. A questão é: ‘O que é que a psique está fazendo ao apresentar o paciente com uma depressão?’”

Este é o Hillman clássico, brincando com o controverso e escorregadio tema da alma, com o qual mereceu um pouco de atenção recente no seu livro O Código do Ser. Escute relaxadamente e é atraente e empolgante. Preste muita atenção e ele apresenta mais buracos do que um queijo suíço, eu penso, ainda ferido.

“Ao invés de ver a depressão como uma disfunção, ela é um fenômeno funcional. Paralisa-te, acalma-te, deixa-te terrivelmente infeliz. Então você sabe que ela funciona,” explica Hillman, falando devagar e deliberadamente o bastante para um texto escrito à mão, transcrito palavra por palavra.

Você está fazendo uma ligação causal entre a epidemia da depressão no final do século XX e o estilo de vida que adotamos nas nações industriais do primeiro mundo, eu penso junto com algumas outras centenas de terapeutas extasiados?

“Se a história é meramente a repetição de uma estória, então não é necessariamente causal. Na visão de Jung, a causalidade é algo mais formal,” ele contra-ataca intuitivamente, desviando-se de um entendimento claro de onde está indo.

A consciência é “unilateral” na psicologia de Jung. Esta visão unilateral que retemos do mundo é complicada com a chegada de “outras partes”, continua Hillman, “aquelas deixadas do lado de fora da sala principal, que entram pela porta dos fundos.

E o que entrou, passou despercebido pela consciência, não está lá com a intenção criminosa típica de quem entra pela porta dos fundos, mas veio para perturbar o programa unilateral que a consciência tinha a intenção de perseguir. Este intruso é um agente de mudança a serviço da busca de sentido que vai além do sentido que a consciência pode nos oferecer, eu penso, enquanto Hillman dá uma pausa, permitindo aos seus ouvintes posicionar as peças desconectadas do quebra-cabeça em seus lugares corretos sem nenhuma peça de conexão. Mas as partes que faltam são facilmente posicionadas por sua platéia atenta, absorvendo-as.

“Os fatos acima mencionados são a essência da atitude junguiana para o que vem à tona na sua vida e na de seus pacientes,” resume.

A epidemia da depressão

Os jornais nos dizem que há muito mais depressão à nossa volta do que imaginamos, que ela é endêmica em nossa cultura, a maior reclamação apresentada na prática médica, nos diz Hillman novamente, resumindo alguns anos de estatísticas e projeções de saúde mental superficiais.

“Temos que fazer alguma coisa sobre a depressão!” ele diz, imitando provocativamente a principal resposta psiquiátrica aos pacientes que apresentam sintomas de depressão.
É claro, eu penso, relembrando algumas projeções recentes que acreditam que a depressão irá defasar a força de trabalho nas próximas duas décadas.

Um dos principais critérios diagnósticos para a depressão, aponta Hillman, é se sentir deprimido a maior parte do dia, praticamente todos os dias, durante duas semanas pelo menos.

“È o mesmo que colocar uma doença crônica na categoria de uma doença [?] aguda. Temos que perceber a natureza maníaca daquele diagnóstico, de que qualquer coisa que dure mais do que duas semanas em nossa cultura é longo demais”, ele diz.

“Esta é uma situação totalmente maníaca. Eu tenho que falar continuamente com vocês para vocês não se entediarem,” ele grita para a platéia. “Eu fico em frente ao meu fax, dou-lhe umas pancadas e digo: ‘Por que demora tanto para estas malditas coisas passarem?’” Soltamos uma gargalhada enquanto duas outras peças do quebra-cabeça de Hillman se encaixam.

O que a maioria dos americanos reclama é de não ter tempo suficiente nem sono suficiente. Maníacos não precisam dormir nem comer. Podemos nos sentar durante o dia inteiro na frente do computador, despenteados, nus como um doente em uma ala isolada do hospital. Então, onde é que a depressão, a lentidão, se encaixam? Como é que Saturno entra, a não ser forçando sua entrada?
A economia da depressão

O custo direto da depressão responde por apenas uma pequena parte das despesas médicas médias de uma pessoa, ele continua, mas nossa oposição frenética à depressão e o que isto representa tem uma grande semelhança em nossos temores econômicos dominantes hoje em dia.
Falamos de uma depressão econômica. Nos preocupamos com a crise de energia em termos econômicos e com a inibição da vontade em nossos pacientes. Ponderamos sobre a ameaça da poluição mundial enquanto nossos pacientes depressivos ruminam sobre suas fantasias de que seu interior está se tornando negro, de que estão sendo envenenados. Tememos o desemprego e a característica dominante dos indivíduos depressivos é que eles não conseguem levantar para ir trabalhar, aponta Hillman.

Duas vezes mais mulheres do que homens de todos os grupos raciais estão propensos a sofrer de depressão, ele continua.
“A cultura maníaca é fundamentalmente uma cultura da testosterona. Isto começou no século XIX, as mulheres eram as portadoras de uma enorme quantidade de sintomas, que elas apresentavam aos médicos”.

“Hoje em dia esta depressão ultrapassou os limites que tinha no começo da psiquiatria. Está na juventude, nas crianças, e o termo é usado muito amplamente. Mas é muito importante se voltar para que tipo de experiência aquela pessoa (que sofre de depressão) está passando.”

“Na prática, as pessoas dizerem que estão deprimidas é insuficiente, não é o bastante. Eu quero saber o que, onde, como, quais são os correlatos físicos, o que você come, o que acontece quando você está naquela cadeira e quando você se levanta da cadeira. Quero saber um monte de coisas sobre seu corpo.”

É saber o que aquela experiência depressiva está lhe dizendo como clínico, eu penso, se distanciando do diagnóstico e chegando ao âmago da experiência. Eu divago momentaneamente e penso a respeito do horário maníaco que mantenho há tanto tempo, relembrando como me sinto quando diminuo a velocidade por um minuto. Sinto-me bem por perceber o momento, eu penso, enquanto volto para a lista dos correlatos depressivos de Hillman.

“Cabelos secos, respiração curta, suspiros freqüentes, um tom diminuído ou nulo para tudo, sonolência e semblante sofrido, com uma seriedade diferente da ansiedade. Isto é muito importante. Tudo parece tão pesado, opressivo. Os romanos a chamavam gravitas, ela pertence a Saturno,” ele continua.

“Em seu treinamento você provavelmente escutou que a depressão é pior durante a manhã. Porque é que a depressão é pior durante a manhã? O que é que isto diz a respeito do dia no qual você está entrando? Será que é porque não tem um tom menor na música que tocam no rádio de manhã, porque você tem que acompanhar o nascer do sol? Temos que encontrar algum sentido nas coisas que observamos.”
Então, qual é o sentido que você encontra nisso, eu penso, ficando um pouco impaciente com o ritmo no qual ele está se movendo. Novamente, quase intuitivamente, Hillman sugere um intervalo e, na volta, liga um vídeo para passar um documentário britânico, entitulado “Kind of Blue”. Hillman é um dos primeiros entrevistados do documentário.

“Uma das coisas que você não quer ser é interrompido,” ele diz, agora com 6 metros de altura e em cores extremamente nítidas na tela, um vulto aparecendo gradualmente para a platéia.

“Você pode continuar, continuar, continuar na base de café e estimulantes. Quando você assiste os heróis na TV eles nunca se cansam. (Mas) a lentidão é básica para a noção de melancolia desde a sua primeira origem. A mania é com frequência descrita na psiquiatria como a ausência de tristeza. Perda significa perder o que se foi. Nós queremos mudar mas não queremos perder. Sem tempo para a perda não temos tempo para a alma,” ele diz retornando ao ponto.

“A melancolia nos leva a um lugar onde podemos ver mais claramente as essências da vida,” diz Jules Cashford, um escritor, ao entrevistador.

A alma conhece o caos da cultura em que vivemos. De alguma forma, se você não está de luto, você está desconectado do mundo. Então, a depressão subjacente é uma adaptação à condição obscura do mundo, explica Hillman. Toda vez que alguém cai em depressão todo mundo vem ressuscitá-lo, e temos as drogas e a terapia convulsiva para tratá-lo. Na vida comum, apenas nos levantamos e nos movemos novamente para evitar a depressão, ele continua.

O filme acaba, Hillman encolhe novamente ao seu tamanho normal e retoma a fala ao vivo. “Este filme foi considerado muito lento para a platéia americana, conseqüentemente, foi rejeitado pela PBS. Este filme pode ser parte da evolução da psicoterapia,” ele graceja, convidando o público às perguntas.

Um membro da platéia profere timidamente que ele luta para reconciliar o humanista existencial com o cientista nele mesmo quando se depara com um cliente deprimido. Será que eu ataco a depressão de uma maneira hábil ou me sento com as questões existenciais desconfortáveis que a depressão levanta?

A questão aborrece o Hillman impressionista: “Eu sugiro que você se sente com seu humanista existencial e seu cientista e que vocês três tentem chegar a uma conclusão,” ele retruca. O questionador se encolhe de volta em seu assento.

“Isto não é instrumentalismo, não é uma técnica que estou ensinando para vocês usarem. Vocês não vão persistir na esperança. Vocês vão manter a fé, e um dos caminhos da terapia que parecem mais úteis não é que você faça alguma coisa, mas que você mantenha o contato. Você é um acompanhante crônico, consistente, ao invés de ser um terapeuta que faz alguma coisa contra o problema,” ele diz.

“O que acontece é que você se torna ativado pelo silêncio ou a caída. Contra a paralisia existem os métodos super ativos de tratamento. A terapia eletroconvulsiva foi desenvolvida por um italiano que também desenvolveu fusíveis para aeronaves,” ele diz como que contando um segredo. “Na história do tratamento da depressão, havia o dunking stool (técnica de tortura onde se afogava a vítima), a purgação da bílis negra do intestino, tentativas de chocar o paciente. Todas estas tentativas representam o ódio ou a agressão contra o que a depressão representa no paciente.”

Mas Hillman não censura o tratamento du jour para a depressão - psicofarmacologia.

“Não existem razões para não tirarmos vantagem das medicações. O importante é a sua atitude perante isto, como você mantém aquele demônio em seu lugar para que não tome conta de você.” O truque, ele reitera, é manter o foco no que o paciente está sentindo, pensando, e imaginando.

“Não tenho a intenção de achar maneiras de acabar com a depressão. A depressão traz a lentidão, um movimento contrário à mania, intimidade. Ela abre a porta a algum tipo de beleza. Logo, parece haver algo lá dentro além da forma como você, o ego, enxerga,” ele conclui, completando uma imagem tosca e impressionista de um dos mais valiosos iconoclastas do mundo, que é muito mais valiosa do que aquela que pode ter sido apreendida pela minha câmera.
Tradução de Gustavo Gerhein

sábado, 10 de março de 2012

TOM JOBIM/POESIA


CASA DO TOM



AUTOR:JULLIEN MERRIAN-SMITH



-Eu não conhecia este poema do Tom. Descobrí esta semana e me encantei. Segundo Ana, sua viúva, ele demorou uns 08 anos para considerar terminada esta doçura...

CHAPADÃO
TOM JOBIM


“Vou fazer a minha casa
No alto do chapadão
Vou levar o meu piano
Que ficou no Canecão

Vou fazer a minha casa
No alto do Chapadão
Vou levar Don’Aninha
Pra me dar inspiração

Vou fazer a minha casa
No alto de uma quimera
Vou criar um mundo novo
Vou criar nova megera

Vou fazer a minha casa
Com largura e comprimento
E peço ao Paulo uma sala
Pra botar Aninha dentro

Vou botar minha biruta
No taquaruçu de espinho
Vou fazer cama macia
Pra te amar devarinho

Seremos dois belezudos
Neste mundo de feiosos
As noites serão tranquilas
E os dias tão radiosos

Quero a minha casa feita
Com régua prumo e esmero
Quero tudo bem traçado
Quero tudo como eu quero

Quero tudo bem medido
De largura e comprimento
Não quero que minha casa
Me traga aborrecimento

Vou fazer a minha casa
Do alto de uma canção
E agradecer a Deus Pai
A sobrante inspiração

Sob a axila do Cristo
Neste sovaco cristão
Vou fazer a minha casa
No alto do Chapadão

E vou dar festa bonita
Com bebida e com garçom
E ao Lufa que foi amigo
Dou champagne com bombom

Vou fazer a minha casa
No centro do ribeirão
Quero muita água limpa
Pra lavar meu coração

Minha casa não terá
Nem sábado e nem domingo
Todo dia é dia santo
Todo dia é dia lindo

E dentro da minha casa
Nunca vai juntar poeira
Pelo meio dela passa
Uma enorme cachoeira

Quero água com fartura
Quero todo o riachão
Quero que no meu banheiro
Passe inteiro o ribeirão

Quero a casa em lugar alto
Ventilado e soalheiro
Quero da minha varanda
Contemplar o mundo inteiro”

quarta-feira, 7 de março de 2012

DIA DA MULHER


GEORGINA DE ALBUQUERQUE-PINTORA BRASILEIRA-

MULHER
Roseana Murray

Voluptuosamente
metade maçã
metade serpente
com teus passos
inventas o mundo

às vezes brincas
de pássaro
ou
andarilha de sombras
com teus olhos evocas
cordilheiras abissais
e é no teu âmago
que a noite se forma

dentro de ti
o novelo da vida

(Pássaros do Absurdo)

domingo, 4 de março de 2012

UM POUCO DO "ROSA"....



OBRAS DE JULLIAN MERROW-SMITH-PROVENCE-FRANÇA-


João de Guimarães Rosa.
- Nasceu em Cordisburgo, MG, em 1908. Morreu no Rio de Janeiro, em 1967. Médico, poliglota, diplomata, escritor. Entre seus vários livros, destacamos: Sagarana, Grande Sertão: Veredas, Corpo de Baile.

FRAGMENTOS-
“Eu quase que nada sei. Mas desconfio de muita coisa.”
“Só quando se tem rio fundo, ou cava de buraco, é que a gente por riba põe ponte”.
“Um bom entendedor, num bando, faz muita necessidade.”
“Sorte é isto. Merecer e ter...”
“O rio não quer ir a nenhuma parte, ele quer é chegar a ser mais grosso, mais fundo.”
“Posso me esconder de mim?...”
“O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.”
“Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas.”
“Viver é negócio muito perigoso...”
“A colheita é comum, mas o capinar é sozinho...”
“Despedir dá febre.”
“Amanheci minha aurora”.
“Ser forte é parar quieto, permanecer.”
“O senhor sabe o que o silêncio é? É a gente mesmo, demais.”
“O mundo, meus filhos, é longe daqui!”.
“Deus existe mesmo quando não há”.
“... Eu não sentia nada. Só uma transformação, pesável. Muita coisa importante falta nome.”
“Coração mistura amores. Tudo cabe.”
“A gente tem que sair do sertão! Mas só se sai do sertão é tomando conta dele a dentro.”
“O sertão é dentro da gente”.
“Mas a paz não é boa? Então, como é que ela enjoa, assim mesmo? – natureza da gente, mal completada...”
“Esta vida está cheia de ocultos caminhos. Se o senhor souber, sabe; não sabendo, não me entenderá.”
“Viver é um descuido prosseguido.”
“Aquele dia era uma véspera.”
“Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo as coisas de rasa importância.”
“Quem sabe direito o que uma pessoa é? Antes sendo: julgamento é sempre defeituoso, porque o que a gente julga é o passado”.
“O que demasia na gente é a força feia do sofrimento, própria, não é a qualidade do sofrente”.
“O mal ou o bem, estão é em quem faz; não é no efeito que dão. O senhor ouvindo seguinte, me entende.”
“...gostar exato das pessoas, a gente só gosta, mesmo, puro, é sem se conhecer demais socialmente...”
“Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães...”
“Eu estou depois das tempestades.”
“Perto de muita água, tudo é feliz.”
“Tinha medo não. Tinha era cansaço de esperança.”
“O senhor...Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isso: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão.”
“O mais difícil não é um ser bom e proceder honesto; dificultoso, mesmo, é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até no rabo da palavra”.
“Toda saudade é uma espécie de velhice.”
“Felicidade se acha é em horinhas de descuido”.

sexta-feira, 2 de março de 2012

NO FUNDO DO FUNDO


DESCONHEÇO A AUTORIA

EVOLUÇÃO
Mário Quintana


Todas as noites o sono nos atira da beira de um cais
e ficamos repousando no fundo do mar.
O mar onde tudo recomeça...
Onde tudo se refaz...
Até que, um dia, criaremos asas.
E andaremos no ar como se anda em terra.

in Esconderijos do tempo, ed. LPM