domingo, 25 de dezembro de 2011

POESIA COM CHUVA



A CHUVA
Jorge Luis Borges


A tarde bruscamente se aclarou,
porque já cai a chuva minuciosa.
Cai e caiu. A chuva é só uma coisa
que o passado por certo freqüentou.
Quem a escuta cair já recobrou
o tempo em que a fortuna venturosa
uma flor lhe mostrou chamada rosa
e a cor bizarra do que cor tomou.
Esta chuva que treme sobre os vidros
alegrará nuns arrabaldes idos
as negras uvas de uma parra em horto
que não existe mais. A umedecida
tarde me traz a voz, a voz querida
de meu pai que retorna e não é morto.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O QUE É O POEMA


VAN GOGH -BANCO DE PEDRA DO ASILO DE SAINT RÉMY -

Jorge Luis borges
O Sul


De um de teus pátios ter olhado
as antigas estrelas,
de um banco na sombra ter olhado
essas luzes dispersas,
que minha ignorância não aprendeu a nomear
nem a ordenar em constelações,
ter sentido o círculo da água
no secreto poço,
o aroma de jasmim e madressilva,
o silêncio do pássaro que dorme,
o arco do saguão, a umidade
— essas coisas, são o poema.

sábado, 17 de dezembro de 2011

POESIA E ANJOS




Rafael Alberti,
in Sobre los Ángeles,
ed. Alianza Losada

O ANJO BOM

Veio o que eu queria,
o que eu chamava,

Não aquele que varre os céus sem defesas,
estrelas sem cabanas,
luas sem pátria,
neve.
Neve como essa que cai de uma das mãos,
um nome,
um sonho,
uma fronte.

Não aquele que aos seus cabelos
enlaçou a morte.

O que eu queria.

Sem arranhar os ares,
sem ferir folhas nem mover vidros.

Aquele que aos seus cabelos
enlaçou o silêncio.

Para, sem ferir-me,
cavar uma margem de luz doce em meu peito
e tornar minha alma navegável.
( tradução de Roseana Murray)

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O QUE SOMOS



Na Ilha por Vezes Habitada

José Saramago


Na ilha por vezes habitada do que somos,
há noites, manhãs e madrugadas em que não precisamos de morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra em nós uma grande serenidade, e dizem-se as palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas mãos. Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

VIDA E POESIA


(DESCONHEÇO A AUTORIA)

SENSORIAL
ADÉLIA PRADO


Obturação, é da amarela que eu ponho.
Pimenta e cravo,
mastigo à boca nua e me regalo.
Amor, tem que falar meu bem,
me dar caixa de música de presente,
conhecer vários tons pra uma palavra só.
Espírito, se for de Deus, eu adoro,
se for de homem, eu testo
com meus seis instrumentos.
Fico gostando ou perdôo.
Procuro sol, porque sou bicho de corpo.
Sombra terei depois, a mais fria.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

ESPERANÇA E POESIA

AQUI ESTÁ MEU CARTÃO DE NATAL ENFATIZANDO A BELEZA DA ESPEERANÇA.


GUSTAV KLIMT- HOPE -

Esperança
Mário Quintana


Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

PREFERÊNCIAS E POESIA


-OLD OAKTREES-GEORGIA,USA.

POSSIBILIDADES
(Copiado do blog de Roseana Murray.)

Prefiro o cinema.
Prefiro os gatos.
Prefiro os carvalhos sobre o Warta.
Prefiro Dickens a Dostoiévski.
Prefiro-me gostando das pessoas
do que amando a humanidade.
Prefiro ter agulha e linha à mão.
Prefiro a cor verde.
Prefiro não achar
que a razão é culpada de tudo.
Prefiro as exceções.
Prefiro sair mais cedo.
Prefiro conversar sobre outra coisa com os médicos.
Prefiro as velhas ilustrações listradas.
Prefiro o ridículo de escrever poemas
ao ridículo de não escrevê-los.
Prefiro, no amor, os aniversários não marcados,
para celebrá-los todos os dias.
Prefiro os moralistas
que nada me prometem.
Prefiro a bondade astuta à confiante demais.
Prefiro a terra à paisana.
Prefiro os países conquistados aos conquistadores.
Prefiro guardar certa reserva.
Prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem.
Prefiro os contos de Grimm às manchetes dos jornais.
Prefiro as folhas sem flores às flores sem folhas.
Prefiro os cães sem a cauda cortada.
Prefiro os olhos claros porque os tenho escuros.
Prefiro as gavetas.
Prefiro muitas coisas que não mencionei aqui
a muitas outras também não mencionadas.
Prefiro os zeros soltos
do que postos em fila para formar cifras.
Prefiro o tempo dos insetos ao das estrelas.
Prefiro bater na madeira.
Prefiro não perguntar quanto tempo ainda e quando.
Prefiro ponderar a própria possibilidade
de ser ter sua razão.

Wislawa Szymborka, Poemas, tradução de Regina Przybycien, Companhia das Letras
Poetisa polonesa, Nobel de literatura de 1996-hoje com 90 anos.