quarta-feira, 30 de novembro de 2011

POESIA E MATO



Anímico
ADÉLIA PRADO


Nasceu no meu jardim um pé de mato
que dá flor amarela.
Toda manhã vou lá pra escutar a zoeira
da insetaria na festa.
Tem zoada de todo jeito:
tem do grosso, do fino, de aprendiz e de mestre.
É pata, é asas, é boca, é bico, é grão de
poeira e pólen na fogueira do sol.
Parece que a arvorinha conversa.

domingo, 27 de novembro de 2011

ANJOS E SONHOS




RAINER MARIA RILKE
CARLOS RODRIGUES BRANDÃO


SUPONHO HAVER SIDO SONHO:
UM ROSTO, SÓ O ROSTO SEM O OLHAR
DE UM ANJO QUANDO DORME
E POR UM MOMENTO ESQUECE SER ETERNO.
E ENTÃO,ÉBRIO DE UM SONHO ASSIM
SONHA NÃO ACORDAR.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

O MAR E A POESIA


VINCENT VAN GOGH

ROSEANA MURRAY

Gosto do silêncio
que vem
das intermitências
do mar,
silêncio salgado,grosso,
que traz o voo de uma
gaivota
em seu bojo.

Gosto quando a casa
quase se desmancha
dentro
do barulho do mar
e vira jangada,
soçobra, se balança.

Gosto do cheiro sólido
das algas
quando invadem
a terra
e apagam as fronteiras,
já não se sabe
o que é fruta
ou o que é pérola.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

SÍMBOLOS E ARTE



SÍMBOLOS E JUNG
DESCONHEÇO A AUTORIA


O pensamento simbólico é a marca distintiva mais específica da condição humana e resulta de uma transformação que se insere no processo de hominização. Aristóteles afirmava que não se pensa sem imagens…
Carl Gustav Jung afirmou que os símbolos são fruto do inconsciente e apontou a estreita relação dos símbolos mitológicos com os símbolos dos sonhos, assinalando a forte probabilidade de grande parte dos símbolos históricos provir diretamente dos sonhos ou por eles ter sido estimulada. Já Freud referira que o simbolismo dos sonhos não pertence propriamente ao sonho, mas às representações inconscientes do povo, surgindo numa forma mais perfeita nos mitos, lendas e ditos espirituosos.
Além da mitologia cultural há referências à mitologia pessoal – e parte desses mitos pessoais vêm à tona nos sonhos, devaneios, sensações corporais, jogos, paixões, lapsos verbais, rituais, música, dança, escrita, desenho e pintura espontânea.
“Um símbolo não traz explicações; impulsiona para além de si mesmo na direção de um sentido ainda distante, inapreensível, obscuramente pressentido e que nenhuma palavra de língua falada poderia exprimir de maneira satisfatória” (Jung).
Figuras sintéticas, substitutivas de coisas conhecidas não são símbolos – são sinais. É o caso das asas estampadas na roupa dos aviadores.
Representações figuradas de objetos ideais ou materiais não são símbolos – são alegorias. É o caso da justiça representada por uma mulher de olhos vendados.
Os símbolos, segundo Jung, são a expressão de coisas significativas para as quais não há, no momento, formulação mais perfeita. Como a imagem da caverna, descrita por Platão, onde os homens acorrentados vêm o movimento de sombras que tomam por reais, sem se darem conta de que desconhecem a verdadeira realidade. Por isso, os símbolos são mediadores, de linguagem universal e muito rica, capaz de transmitir através de imagens…



Muros
Konstantinos Kaváfis


Sem cuidado nenhum, sem respeito nem pesar
Ergueram á minha volta altos muros de pedra.

E agora aqui estou, sem pensar
noutra coisa: o infortúnio a mente me depreda.

E eu que tinha coisa por fazer lá fora!
Quando os ergueram, mal notei os muros, esses.

Não ouvi voz de pedreiro, um ruído que fora.
Isolaram-me do mundo sem que eu percebesse.

domingo, 20 de novembro de 2011

O "EU" E A POESIA


"RED AMARILLIS"- GEORGIA O'KEEFE

Adoção
Elisa Lucinda


Não sei se te contei
mas há algum tempo sou minha
me adquiri num mercado
onde o escambo era a posse da liberdade
me obtive numa dessas voltas da morte
me acolhi num desses retornos do inferno.
Dei banho, abrigo, roupas, amor enfim.
Adotei o meu mim
Como quem se demarca e crava em si o mastro da terra à vista
a cheiro, a tato, a trato, a paladar e ouvido.
Não sei se te contei
me recebi a porta da minha casa
abracei, mandei sentar
Abracei eu mesma, destranquei a porta
que é preu sempre poder voltar.
Dei apenas o céu à sua legítima gaivota
Somos a sociedade
e ao mesmo tempo a cota
Visita e anfitriã
moram agora num mesmo elemento
juntas se ancoram
na viagem das eras
No novelo do umbigo
No embrião do centro
No colo do tempo.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

MITO E POESIA


NARCISO- CARAVAGGIO-

LEVÍ-STRAUSS
CARLOS R. BRANDÃO


SONHEI UM SONHO
E NELE ALGUÉM
SONHOU COMIGO.
ERA UM OUTRO, NÃO SEI
E SEGREDAVA ISTO
EM MEU OUVIDO:
ESCUTA. ESCREVE!
O MITO É A SOMBRA
DA LEMBRANÇA DE
UM SONHO ESQUECIDO.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

JUNG E POESIA




JUNG
CARLOS RODRIGUES BRANDÃO


SONHEI QUE TIVE UM SONHO
E DE DENTRO DO SONHO EU ME SONHAVA.
UMA MANDALA ME COBRIA O CORPO
ALÉM DO SILÊNCIO HAVIA UM NOME
ATRÁS DA MANDALA HAVIA UM ROSTO
E POR DETRÁS DO ROSTO HAVIA OUTRA.

domingo, 13 de novembro de 2011

DEIXE CAIR O QUE JÁ ESTÁ SECO....




TRANSFORMAÇÕES
CECÍLIA MEIRELES


SOBRE O LEITO FRIO,
SOU FOLHA TOMBADA
NUM SERENO RIO.

FOLHA SOU DE UM GALHO
ONDE UMA CIGARRA
NUTRIDA DE ORVALHO,

RASGOU SUA VIDA
EM MÚSICA-AO VENTO-
DESAPARECIDA...

SOBRE O LEITO FRIO,
SOU FOLHA E PERTENÇO
A UM PROFUNDO RIO.

(PELA NOITE AFORA,
VÃO VIRANDO SONHO
MÚSICAS DE OUTRORA...)

quinta-feira, 10 de novembro de 2011


CARAVAGGIO-NATUREZA MORTA-

PAISAGEM COM FRUTAS
MARIA ESTHER MACIEL


Duas peras sobre a mesa
esperam a tua fome.
O dia é verde
e o vento tem cores provisórias.

Sobre o muro
um pássaro mudo
de olhar escuro
perscruta a tua sombra

Ele sabe
que ninguém sabe
em que azul
ocultas
teu absurdo.

domingo, 6 de novembro de 2011

POESIA MINEIRA


OUTONO - MOUNT WASHINGTON - USA-

MARIA ESTHER MACIEL
OFÍCIO


Escrever
a água
da palavra mar
o vôo
da palavra ave
o rio
da palavra margem
o olho
da palavra imagem
o oco
da palavra nada.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

TEMPO E RIO



NA RIBEIRA DESTE RIO
FERNANDO PESSOA


Na ribeira deste rio
Ou na ribeira daquele
Passam meus dias a fio
Nada me impede, me impele
Me dá calor ou dá frio

Vou vivendo o que o rio faz
Quando o rio não faz nada
Vejo os rastros que ele traz
Numa seqüência arrastada
Do que ficou para trás

Vou vendo e vou meditando
Não bem no rio que passa
Mas só no que estou pensando
Porque o bem dele é que faça
Eu não ver que vai passando

Vou na ribeira do rio
Que está aqui ou ali
E do seu curso me fio
Porque se o vi ou não vi
Ele passa e eu confio

Ele passa e eu confio

terça-feira, 1 de novembro de 2011

VENTO E SENTIMENTO



CECÍLIA MEIRELES

Eu sou essa pessoa a quem o vento chama,
a que não se recusa a esse final convite,
em máquinas de adeus, sem tentação de volta.
Todo horizonte é um vasto sopro de incerteza.
Eu sou essa pessoa a quem o vento leva:
já de horizontes libertada, mas sozinha.
Se a beleza sonhada é maior que a vivente,
dizei-me: não quereis ou não sabeis ser sonho?
Eu sou essa pessoa a quem o vento rasga.
Pelos mundos do vento, em meus cílios guardadas
vão as medidas que separam os abraços.
Eu sou essa pessoa a quem o vento ensina:
“Agora és livre, se ainda recordas.”
MEIRELES, Cecília. Solombra. In: MEIRELES, Cecília. Poesia Completa.