domingo, 25 de dezembro de 2011

POESIA COM CHUVA



A CHUVA
Jorge Luis Borges


A tarde bruscamente se aclarou,
porque já cai a chuva minuciosa.
Cai e caiu. A chuva é só uma coisa
que o passado por certo freqüentou.
Quem a escuta cair já recobrou
o tempo em que a fortuna venturosa
uma flor lhe mostrou chamada rosa
e a cor bizarra do que cor tomou.
Esta chuva que treme sobre os vidros
alegrará nuns arrabaldes idos
as negras uvas de uma parra em horto
que não existe mais. A umedecida
tarde me traz a voz, a voz querida
de meu pai que retorna e não é morto.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O QUE É O POEMA


VAN GOGH -BANCO DE PEDRA DO ASILO DE SAINT RÉMY -

Jorge Luis borges
O Sul


De um de teus pátios ter olhado
as antigas estrelas,
de um banco na sombra ter olhado
essas luzes dispersas,
que minha ignorância não aprendeu a nomear
nem a ordenar em constelações,
ter sentido o círculo da água
no secreto poço,
o aroma de jasmim e madressilva,
o silêncio do pássaro que dorme,
o arco do saguão, a umidade
— essas coisas, são o poema.

sábado, 17 de dezembro de 2011

POESIA E ANJOS




Rafael Alberti,
in Sobre los Ángeles,
ed. Alianza Losada

O ANJO BOM

Veio o que eu queria,
o que eu chamava,

Não aquele que varre os céus sem defesas,
estrelas sem cabanas,
luas sem pátria,
neve.
Neve como essa que cai de uma das mãos,
um nome,
um sonho,
uma fronte.

Não aquele que aos seus cabelos
enlaçou a morte.

O que eu queria.

Sem arranhar os ares,
sem ferir folhas nem mover vidros.

Aquele que aos seus cabelos
enlaçou o silêncio.

Para, sem ferir-me,
cavar uma margem de luz doce em meu peito
e tornar minha alma navegável.
( tradução de Roseana Murray)

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O QUE SOMOS



Na Ilha por Vezes Habitada

José Saramago


Na ilha por vezes habitada do que somos,
há noites, manhãs e madrugadas em que não precisamos de morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra em nós uma grande serenidade, e dizem-se as palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas mãos. Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

VIDA E POESIA


(DESCONHEÇO A AUTORIA)

SENSORIAL
ADÉLIA PRADO


Obturação, é da amarela que eu ponho.
Pimenta e cravo,
mastigo à boca nua e me regalo.
Amor, tem que falar meu bem,
me dar caixa de música de presente,
conhecer vários tons pra uma palavra só.
Espírito, se for de Deus, eu adoro,
se for de homem, eu testo
com meus seis instrumentos.
Fico gostando ou perdôo.
Procuro sol, porque sou bicho de corpo.
Sombra terei depois, a mais fria.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

ESPERANÇA E POESIA

AQUI ESTÁ MEU CARTÃO DE NATAL ENFATIZANDO A BELEZA DA ESPEERANÇA.


GUSTAV KLIMT- HOPE -

Esperança
Mário Quintana


Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

PREFERÊNCIAS E POESIA


-OLD OAKTREES-GEORGIA,USA.

POSSIBILIDADES
(Copiado do blog de Roseana Murray.)

Prefiro o cinema.
Prefiro os gatos.
Prefiro os carvalhos sobre o Warta.
Prefiro Dickens a Dostoiévski.
Prefiro-me gostando das pessoas
do que amando a humanidade.
Prefiro ter agulha e linha à mão.
Prefiro a cor verde.
Prefiro não achar
que a razão é culpada de tudo.
Prefiro as exceções.
Prefiro sair mais cedo.
Prefiro conversar sobre outra coisa com os médicos.
Prefiro as velhas ilustrações listradas.
Prefiro o ridículo de escrever poemas
ao ridículo de não escrevê-los.
Prefiro, no amor, os aniversários não marcados,
para celebrá-los todos os dias.
Prefiro os moralistas
que nada me prometem.
Prefiro a bondade astuta à confiante demais.
Prefiro a terra à paisana.
Prefiro os países conquistados aos conquistadores.
Prefiro guardar certa reserva.
Prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem.
Prefiro os contos de Grimm às manchetes dos jornais.
Prefiro as folhas sem flores às flores sem folhas.
Prefiro os cães sem a cauda cortada.
Prefiro os olhos claros porque os tenho escuros.
Prefiro as gavetas.
Prefiro muitas coisas que não mencionei aqui
a muitas outras também não mencionadas.
Prefiro os zeros soltos
do que postos em fila para formar cifras.
Prefiro o tempo dos insetos ao das estrelas.
Prefiro bater na madeira.
Prefiro não perguntar quanto tempo ainda e quando.
Prefiro ponderar a própria possibilidade
de ser ter sua razão.

Wislawa Szymborka, Poemas, tradução de Regina Przybycien, Companhia das Letras
Poetisa polonesa, Nobel de literatura de 1996-hoje com 90 anos.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

POESIA E MATO



Anímico
ADÉLIA PRADO


Nasceu no meu jardim um pé de mato
que dá flor amarela.
Toda manhã vou lá pra escutar a zoeira
da insetaria na festa.
Tem zoada de todo jeito:
tem do grosso, do fino, de aprendiz e de mestre.
É pata, é asas, é boca, é bico, é grão de
poeira e pólen na fogueira do sol.
Parece que a arvorinha conversa.

domingo, 27 de novembro de 2011

ANJOS E SONHOS




RAINER MARIA RILKE
CARLOS RODRIGUES BRANDÃO


SUPONHO HAVER SIDO SONHO:
UM ROSTO, SÓ O ROSTO SEM O OLHAR
DE UM ANJO QUANDO DORME
E POR UM MOMENTO ESQUECE SER ETERNO.
E ENTÃO,ÉBRIO DE UM SONHO ASSIM
SONHA NÃO ACORDAR.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

O MAR E A POESIA


VINCENT VAN GOGH

ROSEANA MURRAY

Gosto do silêncio
que vem
das intermitências
do mar,
silêncio salgado,grosso,
que traz o voo de uma
gaivota
em seu bojo.

Gosto quando a casa
quase se desmancha
dentro
do barulho do mar
e vira jangada,
soçobra, se balança.

Gosto do cheiro sólido
das algas
quando invadem
a terra
e apagam as fronteiras,
já não se sabe
o que é fruta
ou o que é pérola.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

SÍMBOLOS E ARTE



SÍMBOLOS E JUNG
DESCONHEÇO A AUTORIA


O pensamento simbólico é a marca distintiva mais específica da condição humana e resulta de uma transformação que se insere no processo de hominização. Aristóteles afirmava que não se pensa sem imagens…
Carl Gustav Jung afirmou que os símbolos são fruto do inconsciente e apontou a estreita relação dos símbolos mitológicos com os símbolos dos sonhos, assinalando a forte probabilidade de grande parte dos símbolos históricos provir diretamente dos sonhos ou por eles ter sido estimulada. Já Freud referira que o simbolismo dos sonhos não pertence propriamente ao sonho, mas às representações inconscientes do povo, surgindo numa forma mais perfeita nos mitos, lendas e ditos espirituosos.
Além da mitologia cultural há referências à mitologia pessoal – e parte desses mitos pessoais vêm à tona nos sonhos, devaneios, sensações corporais, jogos, paixões, lapsos verbais, rituais, música, dança, escrita, desenho e pintura espontânea.
“Um símbolo não traz explicações; impulsiona para além de si mesmo na direção de um sentido ainda distante, inapreensível, obscuramente pressentido e que nenhuma palavra de língua falada poderia exprimir de maneira satisfatória” (Jung).
Figuras sintéticas, substitutivas de coisas conhecidas não são símbolos – são sinais. É o caso das asas estampadas na roupa dos aviadores.
Representações figuradas de objetos ideais ou materiais não são símbolos – são alegorias. É o caso da justiça representada por uma mulher de olhos vendados.
Os símbolos, segundo Jung, são a expressão de coisas significativas para as quais não há, no momento, formulação mais perfeita. Como a imagem da caverna, descrita por Platão, onde os homens acorrentados vêm o movimento de sombras que tomam por reais, sem se darem conta de que desconhecem a verdadeira realidade. Por isso, os símbolos são mediadores, de linguagem universal e muito rica, capaz de transmitir através de imagens…



Muros
Konstantinos Kaváfis


Sem cuidado nenhum, sem respeito nem pesar
Ergueram á minha volta altos muros de pedra.

E agora aqui estou, sem pensar
noutra coisa: o infortúnio a mente me depreda.

E eu que tinha coisa por fazer lá fora!
Quando os ergueram, mal notei os muros, esses.

Não ouvi voz de pedreiro, um ruído que fora.
Isolaram-me do mundo sem que eu percebesse.

domingo, 20 de novembro de 2011

O "EU" E A POESIA


"RED AMARILLIS"- GEORGIA O'KEEFE

Adoção
Elisa Lucinda


Não sei se te contei
mas há algum tempo sou minha
me adquiri num mercado
onde o escambo era a posse da liberdade
me obtive numa dessas voltas da morte
me acolhi num desses retornos do inferno.
Dei banho, abrigo, roupas, amor enfim.
Adotei o meu mim
Como quem se demarca e crava em si o mastro da terra à vista
a cheiro, a tato, a trato, a paladar e ouvido.
Não sei se te contei
me recebi a porta da minha casa
abracei, mandei sentar
Abracei eu mesma, destranquei a porta
que é preu sempre poder voltar.
Dei apenas o céu à sua legítima gaivota
Somos a sociedade
e ao mesmo tempo a cota
Visita e anfitriã
moram agora num mesmo elemento
juntas se ancoram
na viagem das eras
No novelo do umbigo
No embrião do centro
No colo do tempo.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

MITO E POESIA


NARCISO- CARAVAGGIO-

LEVÍ-STRAUSS
CARLOS R. BRANDÃO


SONHEI UM SONHO
E NELE ALGUÉM
SONHOU COMIGO.
ERA UM OUTRO, NÃO SEI
E SEGREDAVA ISTO
EM MEU OUVIDO:
ESCUTA. ESCREVE!
O MITO É A SOMBRA
DA LEMBRANÇA DE
UM SONHO ESQUECIDO.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

JUNG E POESIA




JUNG
CARLOS RODRIGUES BRANDÃO


SONHEI QUE TIVE UM SONHO
E DE DENTRO DO SONHO EU ME SONHAVA.
UMA MANDALA ME COBRIA O CORPO
ALÉM DO SILÊNCIO HAVIA UM NOME
ATRÁS DA MANDALA HAVIA UM ROSTO
E POR DETRÁS DO ROSTO HAVIA OUTRA.

domingo, 13 de novembro de 2011

DEIXE CAIR O QUE JÁ ESTÁ SECO....




TRANSFORMAÇÕES
CECÍLIA MEIRELES


SOBRE O LEITO FRIO,
SOU FOLHA TOMBADA
NUM SERENO RIO.

FOLHA SOU DE UM GALHO
ONDE UMA CIGARRA
NUTRIDA DE ORVALHO,

RASGOU SUA VIDA
EM MÚSICA-AO VENTO-
DESAPARECIDA...

SOBRE O LEITO FRIO,
SOU FOLHA E PERTENÇO
A UM PROFUNDO RIO.

(PELA NOITE AFORA,
VÃO VIRANDO SONHO
MÚSICAS DE OUTRORA...)

quinta-feira, 10 de novembro de 2011


CARAVAGGIO-NATUREZA MORTA-

PAISAGEM COM FRUTAS
MARIA ESTHER MACIEL


Duas peras sobre a mesa
esperam a tua fome.
O dia é verde
e o vento tem cores provisórias.

Sobre o muro
um pássaro mudo
de olhar escuro
perscruta a tua sombra

Ele sabe
que ninguém sabe
em que azul
ocultas
teu absurdo.

domingo, 6 de novembro de 2011

POESIA MINEIRA


OUTONO - MOUNT WASHINGTON - USA-

MARIA ESTHER MACIEL
OFÍCIO


Escrever
a água
da palavra mar
o vôo
da palavra ave
o rio
da palavra margem
o olho
da palavra imagem
o oco
da palavra nada.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

TEMPO E RIO



NA RIBEIRA DESTE RIO
FERNANDO PESSOA


Na ribeira deste rio
Ou na ribeira daquele
Passam meus dias a fio
Nada me impede, me impele
Me dá calor ou dá frio

Vou vivendo o que o rio faz
Quando o rio não faz nada
Vejo os rastros que ele traz
Numa seqüência arrastada
Do que ficou para trás

Vou vendo e vou meditando
Não bem no rio que passa
Mas só no que estou pensando
Porque o bem dele é que faça
Eu não ver que vai passando

Vou na ribeira do rio
Que está aqui ou ali
E do seu curso me fio
Porque se o vi ou não vi
Ele passa e eu confio

Ele passa e eu confio

terça-feira, 1 de novembro de 2011

VENTO E SENTIMENTO



CECÍLIA MEIRELES

Eu sou essa pessoa a quem o vento chama,
a que não se recusa a esse final convite,
em máquinas de adeus, sem tentação de volta.
Todo horizonte é um vasto sopro de incerteza.
Eu sou essa pessoa a quem o vento leva:
já de horizontes libertada, mas sozinha.
Se a beleza sonhada é maior que a vivente,
dizei-me: não quereis ou não sabeis ser sonho?
Eu sou essa pessoa a quem o vento rasga.
Pelos mundos do vento, em meus cílios guardadas
vão as medidas que separam os abraços.
Eu sou essa pessoa a quem o vento ensina:
“Agora és livre, se ainda recordas.”
MEIRELES, Cecília. Solombra. In: MEIRELES, Cecília. Poesia Completa.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011



Aqui Está minha Vida
CECÍLIA MEIRELES


Aqui está minha vida - esta areia tão clara
com desenhos de andar dedicados ao vento.
Aqui está minha voz - esta concha vazia,
sombra de som curtindo o seu próprio lamento.
Aqui está minha dor - este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está minha herança - este mar solitário,
que de um lado era amor e, do outro, esquecimento.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011




Trecho da música “FADO TROPICAL”
CHICO BUARQUE/RUI GUERRA


"Sabe, no fundo eu sou um sentimental.
Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo
( além da sífilis, é claro).
Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar,
o meu coração fecha os olhos e sinceramente chora..."

"Meu coração tem um sereno jeito
E as minhas mãos o golpe duro e presto
De tal maneira que, depois de feito
Desencontrado, eu mesmo me contesto

Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intenção e gesto
E se o meu coração nas mãos estreito
Me assombra a súbita impressão de incesto

Quando me encontro no calor da luta
Ostento a aguda empunhadora à proa
Mas o meu peito se desabotoa

E se a sentença se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa
Pois que senão o coração perdoa..."

sábado, 22 de outubro de 2011

JARDINS E POESIA


JARDIM DE MONET-GIVERNY-FRANÇA-

4o. Motivo da rosa
CECÍLIA MEIRELES


Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.

Rosas verá, só de cinzas franzida,
mortas, intactas pelo teu jardim.

Eu deixo aroma até nos meus espinhos
ao longe, o vento vai falando de mim.

E por perder-me é que vão me lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011


PALOMA DE LA PAZ- P. PICASSO -

SÍMBOLO – JUNG – RETIRADO DO SITE: “RUBEDO”

Muito embora seja possível determinar um tempo e um lugar em particular para a definição de SÍMBOLO de Jung, é menos fácil descrever a evolução de suas idéias sobre a imagem. Talvez seja verdade que a progressão desde se falar de símbolo até a concentração sobre a imagem é um fenômeno da psicologia analítica em seu período pós-junguiano (cf. Samuels, 1985a), porém uma observação exata dos escritos pessoais de Jung parece substanciar uma definição de imagem que contém ou amplifica o símbolo, sendo o contexto em que este se insere, seja pessoal ou coletivo.
O trabalho a que Jung se dedicou em sua vida, lado a lado com seus escritos, parece dominado por determinadas configurações psíquicas em torno das quais ele se move em CIRCUMAMBULAÇÃO, vendo-as sempre de modo mais profundo e nítido, assim possibilitando-o a preencher ou moldar uma forma básica. Portanto, embora misturasse as palavras símbolo e imagem em diferentes ocasiões, em sua carreira profissional, usando estas palavras quase como sinônimos uma da outra, afinal de contas iria parecer que ele concebia a imagem tanto anterior a como maior que a soma de seus componentes simbólicos. Em suas próprias palavras: “A imagem é uma expressão condensada da situação psíquica como um todo, e não meramente, ou mesmo predominantemente, de conteúdos inconscientes puros e simples” (CW 6, parág. 745).
A compreensão da imagem por Jung modificou-se no curso de toda uma vida. Originalmente formulada como um conceito, a imagem era experimentada como uma presença que acompanhava a psique. Sua mais notável descoberta verificada empiricamente, poderia ser de que a própria psique não ocorre “cientificamente”, isto é, mediante hipótese e modelo, mas sim imagisticamente, isto é, através do MITO e da METÁFORA. Contudo, Jung diz sobre a imagem:
Ela, sem dúvida, realmente expressa conteúdos inconscientes, mas não o todo deles, apenas aqueles que estão momentaneamente constelados. Essa constelação é o resultado da atividade espontânea do INCONSCIENTE, por um lado, e da momentânea situação consciente, pelo outro... A INTERPRETAÇÃO de seu significado, portanto, não pode partir nem do consciente exclusivamente nem do inconsciente exclusivamente, mas somente do relacionamento recíproco destes (ibid., grifo acrescentado).
Isso realça o lugar da emoção e do AFETO com respeito às imagens. Enquanto, considerando-se de um ponto de vista causal, teórico ou científico, as imagens são supostamente objetivas, por sua natureza são também altamente subjetivas (ver MÉTODOS REDUTIVO E SINTÉTICO). Em virtude da imagem ser um continente dos opostos, em contraste com o símbolo que é um mediador dos opostos, não se prende a uma posição qualquer, porém em cada uma podem ser encontrados elementos dela. Como exemplo, a imagem da ANIMA é tanto uma experiência interior como exterior a um só e mesmo tempo; do mesmo modo que “mãe” ou “rainha”. Em parte, o trabalho da ANÁLISE consiste na diferenciação que prepara uma reunificação dos OPOSTOS como parte de um conjunto de imagens renovado e mais consciente. Quer dizer, a vida por ser real não é menos psicológica.
A imagem é sempre uma expressão da totalidade percebida e percebível, apreendida e apreensível, pelo indivíduo. Enquanto, sobretudo no fim de sua vida, Jung discriminava entre a imagem arquetípica e o ARQUÉTIPO per se, na prática são as imagens que excitam o observador (por exemplo, o sonhador) até o grau de ele ser capaz de incorporar ou compreender ou realizar (tornar consciente) o que ele percebe. De acordo com Jung, a imagem é dotada de um poder gerador; sua função é incitar; ela é psiquicamente compelidora.
Resumindo, as imagens têm a facilidade de gerar suas iguais; movimento nas imagens em direção à sua realização é um processo psíquico que nos atinge pessoalmente. Tanto observamos de fora como também participamos ou sofremos como uma figura no drama. “É um fato psíquico”, escreve Jung, “que a FANTASIA está acontecendo e ela é tão real como você – enquanto entidade psíquica – é real. Se essa operação crucial de entrar ativamente em sua própria reação não é levada a cabo, todas as mudanças são deixadas ao fluxo das imagens e a pessoa mesmo não muda.” (CW 14, parág. 753). A vida psicológica enfatiza, sobretudo, a necessidade de uma reação subjetiva às imagens, desse modo estabelecendo um relacionamento, um diálogo, um envolvimento ou um toma-lá-dá-cá que resulta eventualmente em uma CONIUNCTIO, em que tanto a pessoa como a imagem são afetadas (ver EGO; FUNÇÃO TRANSCENDENTE; IMAGINAÇÃO ATIVA). Esse relacionamento é o foco de atenção atual entre psicólogos analíticos, simbolizada por uma ênfase em empatia, relacionar-se e EROS.
Embora boa parcela de atenção tenha sido dada aos símbolos individuais, Hillman (1975) também tentou esclarecer o conceito de imagem. O relacionamento apropriado entre o indivíduo e a imagem é expresso por um estudioso do islamismo, Corbin (1983): “a própria imagem abre caminho àquilo que jaz além dela, em direção àquilo que simboliza”. Corroborando isso, temos a afirmação de Jung: “Quando a mente consciente participa ativamente e experimenta cada estágio do processo, ou pelo menos o compreende intuitivamente, então a imagem seguinte (uma ampliação da imagem original) sempre brota no nível mais elevado que se conquistou e uma intencionalidade se desenvolve” (CW 7, parág. 386). Ver IMAGO; PONTO DE VISTA TELEOLÓGICO; REALIDADE PSÍQUICA.

terça-feira, 18 de outubro de 2011



“AS LÁGRIMAS SÃO UM RIO QUE NOS LEVA A ALGUM LUGAR.
O CHORO FORMA UM RIO EM VOLTA DO BARCO QUE CARREGA A VIDA DA ALMA.
AS LÁGRIMAS ERGUEM SEU BARCO DAS PEDRAS, SOLTAM-NO DO CHÃO SECO,
CARREGAM-NO PARA UM LUGAR NOVO, UM LUGAR MELHOR.”
(CLARISSA PINKOLA ESTÉS)

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

POESIA E ANJOS


RAPHAEL - RENASCENÇA-

A ARTE DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE DEIXOU SEMENTINHAS...VEJAM ABAIXO:

Poema de sete faces
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.


As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.


O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.


O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos , raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.


Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.


Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo,
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.


Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.


LET'S PLAY THAT
Torquato Neto
(musicado por Jards Macalé)

Quando eu nasci
um anjo louco muito louco
veio ler a minha mão
não era um anjo barroco
era um anjo muito louco, torto
com asas de avião

eis que esse anjo me disse
apertando minha mão
com um sorriso entre dentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes

Let's play that
Do CD Torquato Neto - Todo Dia É Dia D
Vários Artistas, Dubas Música, 2002

ATÉ O FIM
Chico Buarque de Hollanda


Quando nasci veio um anjo safado
O chato dum querubim
E decretou que eu tava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim

Inda garoto deixei de ir à escola
Cassaram meu boletim
Não sou ladrão, eu não sou bom de bola
Nem posso ouvir clarim
Um bom futuro é o que jamais me esperou
Mas vou até o fim

Eu bem que tenho ensaiado um progresso
Virei cantor de festim
Mamãe contou que eu faço um bruto sucesso
Em Quixeramobim
Não sei como o maracatu começou
Mas vou até o fim

Por conta de umas questões paralelas
Quebraram meu bandolim
Não querem mais ouvir as minhas mazelas
E a minha voz chinfrim
Criei barriga, minha mula empacou
Mas vou até o fim

Não tem cigarro, acabou minha renda
Deu praga no meu capim
Minha mulher fugiu com o dono da venda
O que será de mim?
Eu já nem lembro pr'onde mesmo que vou
Mas vou até o fim

Como já disse, era um anjo safado
O chato dum querubim
Que decretou que eu tava predestinado
A ser todo ruim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim
Do LP Chico Buarque - Polygram, 1978

COM LICENÇA POÉTICA
Adélia Prado


Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável.
Eu sou.
In Adélia Prado, Poesia Reunida
Siciliano, São Paulo, 1991

QUAL DESSES É O SEU ANJO????

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

JUNG E ARTE



ALGUMAS FRASES E PENSAMENTOS DE JUNG SOBRE A ARTE.

A essência da obra de arte não é constituída pelas
particularidades pessoais que pesam sobre ela – quanto mais
numerosas forem, menos se tratará de arte... Provinda do espírito
e do coração, fala ao espírito e ao coração da humanidade.
C.G.JUNG[...]

O anseio criativo vive e cresce dentro do homem como uma
árvore no solo do qual extrai seu alimento. Por conseguinte,
faríamos bem em considerar o processo criativo como uma
essência viva implantada na alma do homem [...].
C.G.JUNG

[...] a arte, nele (artista), é inata como um instinto que dele se
apodera, fazendo-o seu instrumento. Em última instância, o que
nele quer não é ele mesmo enquanto homem pessoal, mas a
obra de arte. Enquanto pessoa, tem seus humores, caprichos e
metas egoístas; mas enquanto artista ele é, no mais alto sentido,
“homem”, e homem coletivo, portador e plasmador da alma
inconsciente e ativa da humanidade.24
C.G.JUNG

[...] será que a arte realmente “significa”? Talvez a arte nada
signifique e não tenha nenhum sentido [...] Talvez ela seja como a
natureza que simplesmente é e não “significa” [...] A pergunta
sobre sentido nada tem a ver com a arte [...] Para o
conhecimento, porém, devemos deslocar-nos para fora do
processo criativo e olhá-lo desse lado, pois só então ele se
tornará imagem que exprime algum sentido. E assim, o que antes
era mero fenômeno, transforma-se em algo que, juntamente com
outros fenômenos, terá sentido, algo que representará
determinado papel, servirá a certos propósitos e terá efeitos
significativos.75
C.G.JUNG

domingo, 9 de outubro de 2011

ALMA E LUZ


SAINT CHAPELLE - PARIS -

Ilumina-se a Igreja por Dentro da Chuva
FERNANDO PESSOA


Ilumina-se a igreja por dentro da chuva deste dia,
E cada vela que se acende é mais chuva a bater na vidraça...

Alegra-me ouvir a chuva porque ela é o templo estar aceso,
E as vidraças da igreja vistas de fora são o som da chuva ouvido por dentro ...

O esplendor do altar-mor é o eu não poder quase ver os montes
Através da chuva que é ouro tão solene na toalha do altar...

Soa o canto do coro, latino e vento a sacudir-me a vidraça
E sente-se chiar a água no fato de haver coro...

A missa é um automóvel que passa
Através dos fiéis que se ajoelham em hoje ser um dia triste...
Súbito vento sacode em esplendor maior
A festa da catedral e o ruído da chuva absorve tudo
Até só se ouvir a voz do padre água perder-se ao longe
Com o som de rodas de automóvel...

E apagam-se as luzes da igreja
Na chuva que cessa ...

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

sábado, 8 de outubro de 2011


BERTHE MORISOT-EUGENE MANET NA ILHA DE WIGHT

ALGUMAS FRASES QUE APARECERAM NO NOSSO ENCONTRO DOS SONHOS EM TIRADENTES - USADAS PELA MESTRA ADRIANA -

-JUNG:"TUDO QUE É PSÍQUICO ESTÁ GRÁVIDO DE FUTURO".
PRENHEZ É UMA COMUNHÃO COM TODAS AS FORÇAS DE VIDA.
-O SONHO É UM GOLPE. GOLPE VITAL.
-SONHAR:UMA FORMA POSSÍVEL DE EXISTIR.
-O SONHO É ENDEREÇADO À PRÓPRIA PESSOA QUE O SONHOU.
-SE EU ME RECUSO A ADOTAR COMPORTAMENTOS QUE SÃO DO MEU SELF, EU FALHO COM O MEU DESTINO.
-ABRAÇAR A NATUREZA PARA VOLTAR PARA O NOSSO NINHO INTERIOR.
-KELEMANN:"CRIAR REALIDADES É UMA CONSTRUÇÃO CONTÍNUA".
-DAR FORMA ÀS IMAGENS É UM ATO DE CRIAÇÃO.
-SRI AURUBINDO:"HÁ UMA ASPIRAÇÃO HUMANA QUE PEDE E UMA GRAÇA DIVINA QUE RESPONDE".
-SRI AURUBINDO:"O ÚNICO GRANDE PERIGO É PERDER-SE DE SÍ MESMO".
-SRI AURUBINDO:"MESMO QUANDO TUDO PARECE ESTAR PERDIDO, UMA MÃO PODEROSA TE LEVARÁ ATRAVÉS DE TUDO".
-SRI AURUBINDO:"OH!, TÚ QUE AMAS!GOLPEIA".

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

entre ceu e serra





o golpe..


realidade ou reflexo?


simplesmente saciar o desejo de tornar-se inteiro


beleza estranha.

Mais um pouquinho de Jung

"I have always tried to make room for anything that wanted to come to me from within."
 Carl Jung


quinta-feira, 6 de outubro de 2011

UM POUQUINHO DE JUNG



Mandala ilustrada por Carl Jung (Livro Vermelho)

INDIVIDUAÇÃO
O renomado psicólogo Carl Jung, criador da psicologia analítica, cunhou o termo “Individuação" para o processo contínuo de aprimoramento pessoal, a busca de um indivíduo por tornar-se "si mesmo" (“self”), a expressão da essência única que cabe somente a cada um de nós realizar.

Vamos compreender melhor o que isso significa...


EGO e SELF

O ego é a dimensão consciente da nossa personalidade, que nos permite dar conta de nossa identidade individual, enquanto o self abarca a totalidade (tanto nossos conteúdos conscientes quanto inconscientes), sendo também o centro regulador da nossa psique e ponto de passagem para uma dimensão maior - transcendente.

O ego, segundo Jung, deve estar a serviço do self, onde sua principal função é de intermediar o processo de assimilação dos nossos conteúdos inconscientes na consciência, num processo contínuo de integração e ampliação.

No entanto, quando um ego ainda está imaturo e enfraquecido, o que constatamos no comportamento do indivíduo é uma atitude de manipulação, ilusão, apego, e a busca por aprovação externa – um estado de consciência no qual grandes conflitos e dramas emocionais podem ocorrer.

O nosso verdadeiro poder, porém, emerge das profundezas da nossa alma/self. Não se trata de ter poder sobre os outros, mas sobre a nossa própria felicidade e destino.

Com o amadurecimento e estruturação do ego, o indivíduo passa a identifica-se menos com os valores externos do meio em que vive, e volta-se mais para as emanações do “self” – o centro da nossa totalidade e ponto de integração de todas as nossas instâncias psíquicas (personas, sombras, anima/animus, etc).

É importante ressaltar que para Jung, a individuação não exclui a pessoa do mundo, mas aproxima o mundo dela.

Viver a partir da nossa perspectiva interna, despindo-se de tudo o que é falso, tudo o que nos afasta da nossa natureza essencial; e ao mesmo tempo conviver harmoniosamente com o meio social, compreendendo o nosso papel e contribuição no contexto evolutivo maior, é o nosso maior desafio, o grande salto em nossa existência.
(extraído do blog : “despertar”)

quarta-feira, 5 de outubro de 2011


(DESCONHEÇO A AUTORIA)

CHUVA, CHUVINHA
ELIANA MIRANZI


VENHA, VENHA CHUVINHA,
TRAZ CHEIRO DE CHÃO MOLHADO,
INCHA A SEMENTE PLANTADA,
LAVA A POEIRA DAS FOLHAS
QUE JÁ PEDEM POR UM BANHO.
FAZ DESPENCAR SECAS ROSAS,
FAZ PASSARINHO CANTAR,
PÕE VELHINHAS NAS JANELAS,
ATRÁS DO VIDRO A SONHAR
COM BRANDAS CHUVAS DE OUTRORA.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Sobre diamantes e sonhos

Novamente mergulhei em uma viagem por mim mesma. Novamente estive com Adriana Ferreira, num Workshop dos Sonhos.
É difícil explicar o que é este trabalho de autoconhecimento e sustentação da minha jornada.
Por isso, mais uma vez, prefiro contar sobre o que trago comigo.
tudojoia.blog.br

Primeiro, um novo sentimento, de mais conexão com meu feminino. De permitir-me dançar, perfumar-me, suavizar a voz, cantar para meus filhos.  Sinto-me mais desperta para esta possibilidade de delicadeza e falar baixo.
Também, muito mistério. Vontades de silêncio, novos segredos comigo mesma. Memórias de encontros.  Momentos mágicos.
E uma alegria, uma alegria inebriante.  Uma paixão renovada pela música, pela dança, pela poesia.
Um desejo de Adélia Prado, Guimarães Rosa.
Uma saudade de todos os sonhadores que partilharam sua vida comigo.
Viver mais simples requer ancoragem.  Requer um corpo inteiro. Alma costurada com ele.
Por isso sou grata por descobrir este caminho, esta prática de construir em mim mesma estrutura e coesão para navegar.
Sonhando acordada, posso ser mais eu e, ao mesmo tempo, ser mais do mundo.
Saio inundada pelo espírito fértil da primavera. Espírito de amizades redescobertas. E de novos amigos.
Trago em mim a memória de uma lua amarela em sorriso, de pés descalços na grama. Do aroma de rosas e mel.
Revelar-se é um presente, um fortalecimento necessário para retornar à rotina, ao trabalho, à dureza da falta de tempo e espaço.
Mas tenho comigo a minha forma, alongada em toda minha extensão. Sinto-me viva, íntegra e pulsante.
Já anseio pelo próximo encontro....
Para encerrar, uma música de nosso estar juntos, traduzindo este sentimento de pertencer à terra e a mim mesma.